Hoje me dei conta dos meus lutos, o quão profundos e compartilhados eles são.
Recentemente eu perdi muita coisa, mesmo. Muita gente. Muitos presentes que se esvaziaram com a rapidez de um suspiro. No entanto, me tomou tempo entender que a perda não foi só do óbvio e visível ao ponto da gente conseguir falar sobre essas coisas.
Precisei de muitos dias e meses (talvez anos) pra conseguir começar a entender que o que eu perdi foi a realidade dos sonhos, porque a geração Disney não chegou onde era prometido que a gente ia chegar. E lutamos tanto por isso... Nos esforçamos tanto... Estudamos, trabalhamos, deixamos toda a sensação do sol na pele pelos escritórios com ar controlado e café expresso (que tinham contado pra gente que era coisa cara). Viajar a cargo da empresa, vestir a camisa e deixar a vida pequena do interior.
Escrevo ao som de Summer EletroHits e sinto uma dor que quase toma forma. Tínhamos energia, vida, sentimento e sensação. Fomos criados para fazer tudo. Era só batalhar pelos nossos sonhos que tudo ia ficar bem. Éramos potência, força. Repito, fomos feitos para REALIZAR.
Há poucas semanas eu disse pra alguém da minha família que estou na minha melhor fase da vida. E não é mentira ou exagero. Só que poucos dias atrás fui atravessada de tantas formas por tantas perdas que meu corpo chorou, pediu asilo. Espero que ele ainda esteja disposto a conviver comigo, sem pedir exílio...
As perdas? Um sem fim de tudo que minha geração começa a denunciar rouca, porque já não existe a voz saudável para as eloquências que gastamos outrora. É difícil entender o tempo que sobrou, porque tudo diz que somos flores secas. As horas são curtas demais pra juntar o afeto criado na rotina das amizades com todas as tarefas dispostas, ininterruptamente, na palma das mãos. Por falta de uso, os joelhos não conseguem caminhar longas distâncias sem sofrer. Os olhos veem menos e, quando olham, procuram luzes mais e mais fortes.
Com medo de nos aprisionar com filhos, nos apegamos a tudo que não nos entrega nada além do sentimento de insuficiência, culpa e angústia. Sempre uma urgência, sempre com pressa. O que aconteceu com a gente? Onde foi que nos perdemos?
Confesso que minha melhor época vem com essa dor de perder a juventude. Percebo que é fácil pra gente perder o brilho nos olhos porque perdemos a fé. Sim, a fé da vó que rezava quando ficávamos doentes. Que fazia bolinhos de chuva para esquentar nosso coração, sempre deixando raspar o bote com resto de massa. Que sempre teve orgulho do tempo que me faltava porque "ela está ocupada, trabalhando", falando em voz alta e peito estufado.
Não aprendi tantas coisas que queria ter aprendido com quem já se foi e hoje tenho medo de que posso ter perdido a chance de aprender ainda mais com quem ainda não veio. E me vem uma fúria tão injustamente grande… Paraliza ao ponto de faltar ar.
Falo sobre perdas e dores, mas nunca estive com tanta clareza do lugar que ocupo e percebo que esse entendimento vai aumentar muito mais em um futuro singularmente próximo. É confuso viver hoje uma parte de mim em um sonho que achei impossível (e por mais clichê que seja, estou, sim, falando de amor) e um outro pedaço que grita "você chegou aqui tarde demais". Chego a alucinar sobre minha falta de direito a esse amor que me faz tanto e tão bem.
Não sei se tudo isso é parte de crescer, se ainda há tempo pra corrigir a rota e retomar aquela energia que existia quando começava a tocar Summer Jam. Cresci o suficiente pra ter certeza de que não fazemos a mínima ideia real do que estamos fazendo aqui, sigo tendo muito mais perguntas do que respostas.
Volto a escrever porque preciso aterrar em algum lugar minimamente material, tangível, conhecido e que exija mais de 2 minutos pra ser entendido. Quero reaprender o que é urgência. Redescobrir como falar sobre o que eu sinto e como o ambiente me toca, me acarinha ou me fere. Voltar àquela ansiedade do que iria acontecer (o aniversário, o sábado na praça, a ligação telefônica), não pelo que é estimulado incansavelmente e nunca acontece.
Nesse processo de reencontro com as palavras, quem sabe eu volte a orar e reencontre no meio do caminho a minha fé. Àquela que me fez chegar aos lugares que eu tanto sonhei, que encurtava distâncias, movia montanhas. Recriar a lista da vida é emergencial. Exige coragem, mas precisa acontecer.
Não é verdade que era tudo sobre a gente.
Está escuro, mas o sol já vem.