Ao longo dos últimos meses venho em mergulhos corajosos por todos os cantos do meu eu.
A ideia é fácil: Redescobrir o que virei de mim no auge dos 36.
Lógico que, como qualquer pessoa que minimamente tentou entender algo sobre si, não fui levada somente por um ou outro acaso. Óbvio que não. O que houve, na prática, foram infinitas terríveis coincidências dessa coisa aleatória chamada vida. Na real, aconteceu tudo ao mesmo tempo, misturando dias de absoluta felicidade com horas ininterruptas de falta de ar. Bem e Mal. Ansiedade e Frustração. Bom e Ruim. Tudo e Nada, convivendo num circuito fechado de névoa e escuridão.
Todo mundo tem seu lado sombra. Não precisamos ignorar, nos envergonhar, nem nada. É normal, é parte do exercício de ser um humano. A gente precisa reconhecer que ele existe pra dar asilo, cuidar, se perdoar. É uma forma de conseguir sentir um pouco de tudo aquilo que conquistamos, depois da batalha que foi o direito de estarmos vivos. Afinal, já sabemos que não é fácil nascer.
Quando me encontrei nesse lugar sem forma, que são as minhas sombras, foi difícil encontrar qualquer vestígio de justiça. Saí do "fiz tudo certo" para "onde foi que eu errei" em pouquíssimo tempo e esse ambiente foi minha morada por um período maior do que gosto de admitir. É igualmente lógico que ali faltava bastante luz.
Você, caro leitor, certamente sabe que o breu se resolve com fogo e, em dada hora, me dei conta que eu precisava encontrar alguns bons motivos para colocar o burro na sombra. Ou melhor, colocar um tanto de clarão nessa penumbra. O fato é que o convívio extensivo nem-sempre-tão-saudável-mas-claramente-necessário com o meu lado escuro me explicou algumas coisas que eu acho que acontecem com a maioria das pessoas. Não sei... Acho que está mais pra todo mundo mesmo, mas seria pretensão dar essa certeza. Fica pra você decidir.
Entre essas coisas tão terrivelmente óbvias mas profundamente importantes, descobri que o que faz nosso dia a dia ter algum sentido são os momentos brilhantes. E esses não são os MOTIVOS brilhantes. Relembro que estamos falando de MOMENTOS brilhantes... Aquela hora que você ganhou passagem em um cruzamento chato, quando pegou pela enésima vez aquele folheto do apartamento só pra ajudar a moça, ou também naquele pãozinho mais bonito que o moço colocou pra você no saco de pão (escolha primorosa!), simplesmente aquela gentileza no elevador, o cuidado atencioso com a pessoa mais do que com o celular, um bom dia sorridente.
São esses instantes puros, quase ingênuos, que fazem a gente gostar de ser existência. São as pequenas coisas que alimentam nossa alma e nos fazem acreditar que sempre, sim, sempre!, pode ser melhor. Esses brilhos preenchem nossa rotina e nos conferem graus de felicidade. Na busca pela minha santa cura, encontrei a solução. Então era isso, eu precisava reencontrar a luz.
A partir de então, o que se segue é a cruzada mais difícil que vivi até hoje.
Uma travessia cheia de mistérios, drama, um bom nível de comédia mas principalmente um belo bocado de amor. Eu nunca imaginei que fosse possível sentir tantas emoções antagônicas ao mesmo tempo. Não me preparei, em nenhum dos meus planos, pra lidar com um tamanho tão grande de impotência, com tanta de falta de ser o mínimo que te define, um mínimo que diz tanto sobre o que se é.
Às vezes (poucas vezes, confesso), de um jeito quase sádico, consigo pensar em cenas de um envelhecer fraco, até posso imaginar alguma pequenez que me aconteça por um motivo ou outro, inventar alguma dificuldade qualquer em algum futuro inventado. Em resumo, eu tenho entendimento racional de que coisas ruins podem acontecer, mas, ainda assim, nenhum cenário considerou o questionamento em que eu estive presa por esses mesmos últimos meses. Talvez a melhor forma de explicar o que eu passei seja: tive dúvida da minha existência como mulher.
Em toda sua complexidade, cores e nuances, se houver próxima vida e a escolha for possível, escolho ser mulher de novo. E de novo. E de novo. E de novo. Acredito genuinamente que nós, meninas em todas as suas formas, temos um plano diferente na Terra e podemos chegar onde quisermos. É esse lugar que sempre me identificou e do qual tenho muito orgulho de ter vindo. É um assunto forte, que me gera ação, força, foco.
Tudo muito bonito. Muito verdadeiro e, por que não?, inspirador.
Só que pra brincadeira da vida, tanto faz o que você "acredita" que te define. O que interessa mesmo é o que você é e o que você faz com isso. É o quanto realmente está disposto a realizar por aquilo que diz por aí ser o seu motivo de ser. Nossa existência tem muito mais a ver com ocorrer, com efetuar, do que com as ideias que criamos sobre nós mesmos. Ser um Mulherão é isso. Fazer acontecer.
E nesse caminho de entender sutilezas e voltar à luz, me deparei com as mais variadas possibilidades de redução da minha potência. Reforço o que disse antes: não foi somente um único infortúnio ao acaso, foram descobertas torturantes reforçadas por eventos rotineiros de exclusão e indiferença. O ponto é que quando eu encontrei o que achava que era o meu grande motivo, a vida me pregou uma peça e voltei pra estaca zero. Sofri com a fraqueza de não conseguir controlar todos os aspectos do meu corpo, me culpei por adoecer. Entrei em níveis de perguntas tão duras que cheguei a encontrar meu rosto cinza olhando para o espelho. Uma cruzada solitária num lugar tão intimamente eu, que foi, e segue sendo, difícil explicar os sentimentos, quase impossível pedir ajuda e honestamente desafiador de atravessar. Na verdade eu não posso acontecer, não consigo ser um mulherão.
Até aquele momento, o diagnóstico era de que o grande motivo (por natureza, já desafiador) poderia ser alcançado com muito esforço e energia, uma disposição acima da média e uma boa pitada de ouvidos surdos. A procura pela iluminação me levava a caminhos pedregosos, muitas vezes lamacentos e mal colocados. No entanto, para além de toda a dúvida, para além de todo desamparo, a decisão foi seguir e a cruzada continuou como precisava ser, fazendo o nosso melhor, sempre.
Talvez por tanta segurança houve tanto silêncio. Talvez por tanta coragem houve tanta frieza.
Não sei, não vou nunca saber. O que importa não é isso, mas preciso explicar todo esse isso num esforço sincero de que você entenda quando digo que foi uma grande jornada. Uma travessia enorme que será sempre vista como algo simples e rápido, decidido com razão e praticidade mas que por essência carrega consigo um sem fim de emoções que nos testam o tempo todo. Não foi fácil. Eu tenho certeza que para ninguém nunca será fácil.
Um lugar sem brilho, mas com uma razão de ser importante demais para se deixar abalar.
Aos poucos as sombras ficaram entediadas com o passeio e se tornaram companheiras compreensíveis, dignas do respeito que lhes é devido. Surgiu uma nova forma de ver o mesmo ambiente com outros olhares e o grande motivo começou a se transformar, evoluiu para um brilho intenso, de cor dourada, espalhando sabedoria por onde tocava.
E como um prólogo interminável, o improvável aconteceu. Aos poucos, o brilho se partiu pelo ar. Numa manhã cheia de sol e com cara de domingo, eles chegaram e invadiram todo o espaço da sala. Eram muitos, pequenos, incrivelmente brilhantes, especificamente oito. Eram oito pequenos brilhos cor arco íris falando conosco em sentimento, explicando que aqueles eram os motivos da minha existência. E num lapso de repente, os brilhos aliviaram os ombros, relaxaram os rostos e entraram no peito como vento fresco. Eu consigo sim, eu sou um Mulherão. Muito mais do que qualquer coisa que pudesse sentir, eu soube eles eram os Meus Oito Brilhantes Motivos.
No entanto, me perdoe, querido leitor. Não posso, sem muito papo, te contar quais são os meus oito brilhantes motivos. Um tanto porque um deles já não está mais tão brilhante assim, estava um pouco cansado demais para ser bom motivo. Muito desse outro tanto, porque a gente ainda não sabe quanto os outros sete tantos (e tão igualmente queridos!) vão realmente crescer e seguir o próximo passo.
Por isso você, que pretende insistir nessa moda vintage de ler blog, vai precisar continuar um leitor fiel pra, quem sabe, descobrir a aventura dos meus 8 brilhantes motivos.
Espero, muito sinceramente, que as histórias sejam muitas, infinitas! Agora, são lindas memórias esperando ser criadas. Amanhã, serão as novidades sendo contadas.